segunda-feira, março 28, 2005

 

Férias

Estou de férias em Alpalhão. Sabem onde fica?
Até para a semana!

quarta-feira, março 23, 2005

 

Teste!

Sim, chegada a primavera há que procurar um novo visual...
...
Pois, continuo a tentar. Não sei o que sairá daqui!

quinta-feira, março 17, 2005

 

Não-dias

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Hoje foi quarta-feira, descansei. Este é o tal dia de que gosto desde há muito tempo, tanto que já nem sei bem porquê… e, actualmente, continuo a gostar. Descanso.
Na segunda-feira estive de banco. Na terça, devido às férias de um colega meu, estive de prevenção: que afinal acabou por se transformar em presença física até às cinco e tal da tarde.
Nestes dias a Urgência esteve particularmente caótica. Por razões que a razão desconhece foram-se, paulatinamente, acumulando doentes e doentes... e doentes. Além dos 12 doentes habitualmente internados em SO (Serviço de Observação), que é o local onde permanecem (por um período tão curto quanto possível…) os doentes mais instáveis e sujeitos a uma vigilância apertada - médica e de enfermagem -, estiveram internados no chamado "SO-corredor" cerca de 40 doentes por dia. Estes amontoam-se em macas alinhadas ao longo dos estreitos corredores e, a pouca observação que têm, vai pouco além das breve olhadelas de quem por lá passa. Isto tudo, para lá do ininterrupto trânsito de cadeirinhas e macas na zona dos Balcões.
E eu ainda me posso dar por feliz, não "vivo" na Urgência. Só lá vou quando sou chamado a opinar ou observar algum doente da minha área… e nestes dias chamaram muito. Infelizes, sim, os que lá têm que estar em permanência.
Mas quando lá vou é penoso.
E penoso não é ter que observar, avaliar e decidir a melhor atitude possível, face a um determinado caso. Isso pode ser só mais ou menos trabalhoso, exigir maior ou menor esforço, mas é a minha função. Penoso é tudo o que temos que fazer para poder executar essa função: o ninguém saber o que peguntamos e a constante resposta "não sei… pergunte ao Zé"; o não saber onde está o processo do doente ou a folha de registos de enfermagem… e ter que os procurar sabe-se lá onde; o não saber se o resultado da análise já chegou e ninguém se importar com isso… ou até saber se a colheita de sangue foi efectivamente feita; o conseguir alguém que transporte o doente para realizar um exame, que leve um mero pedido de transfusão ou apenas que dê uma simples injecção.
O penoso é, às vezes, tentar descobrir onde está o doente, e não o conseguir. Na segunda-feira "perdi" um doente: observei o Sr. Nicolau cerca da dez da manhã… como a história de hemorragia digestiva era duvidosa, tinha dor abdominal e o Rx era manhoso, solicitei observação por cirurgia; antes do almoço o colega disse-me que o estavam a avaliar e iam repetir o Rx; depois do almoço disseram-me que o doente não tinha nada cirúrgico e voltara ao Balcão; por volta das quatro da tarde perguntei no Balcão onde estava o Sr. Nicolau… o enfermeiro não sabia quem era, nenhum dos médico fazia a mínima ideia onde poderia estar e, no secretariado, não estava registada qualquer alta: "talvez naquele monte de fichas que falta introduzir", disseram-me… No corredor não estava, o Sr. Nicolau, desapareceu!
Ontem, eram cinco horas da tarde e estava cansado, mesmo muito cansado. Uma sensação de total esvaziamento e uma única vontade: sair dali o mais depressa possível e só voltar se me telefonassem. Enquanto esperava, junto à porta do balcão, por qualquer coisa de que já nem me lembro, dirige-se a mim um doente que nunca tinha visto, e diz de rompante:
- Mas será possível estar aqui há seis horas à espera de um resultado…?
- Se você está, é porque é possível… - retorqui.
- ...
Ele não merecia isto. Eu também não!

domingo, março 06, 2005

 

Rituais Iniciáticos

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Acho que cada actividade ou profissão terá os seus próprios rituais de iniciação. Penso que terá a ver com tradições antigas, em que o simbolismo e o secretismo de um acto ritual, tornava os membros de um grupo mais próximos uns dos outros.
Não conheço os rituais de outras actividades mas, na Medicina, e encarando o Juramento de Hipócrates como como a formalização do dever de obediência a um conjunto de princípios éticos, julgo que o nosso verdadeiro ritual iniciático é o chamado "exame de saída da especialidade". Este exame, que vem na tradição dos antigos exames à ordem, é um mero acto anacrónico e simbólico mas que marca (e se marca...) o exacto momento em que um interno passa a especialista.

E anacrónico, porquê?
Porque a formação continuada de um médico especialista em Portugal é, actualmente, feita de forma idónea e bem padronizada:
- O período de formação de um interno da especialidade varia entre quatro anos ( por exemplo para Medicina Geral e Familiar, Radiologia e Patologia Clínica), cinco (para a maioria das especialidades médicas, como Gastrenterologia e Cardiologia) e seis anos (para a maioria das especialidades cirúrgicas, como Ortopedia ou Urologia).
- Cada especialidade tem programas de formação bem definidos, com objectivos relativamente claros de aprendizagem por ano, com a exigência de estágios parcelares em áreas específicas e, para algumas especialidades, com a exigência de determinado número de técnicas de diagnóstico ou terapêuticas.
- Os serviços onde essa formação é ministrada são considerados idóneos pelo Ministério da Saúde, sob proposta do Colégio da Especialidade. Essa idoneidade é avaliada anualmente - de modo mais ou menos rigoroso (e este é um dos pontos fracos do sistema: a avaliação raramente é presencial e baseia-se num questionário que pode ser mais ou menos aldrabado) e assenta em vários factores: número de especialistas existentes no Serviço, número de doentes observados e técnicas executadas, e na existência de outros requesitos como biblioteca, arquivo actualizado, sessões clínicas e actividade científica.
- Para cada interno é nomeado um tutor ou orientador de formação, que programa e supervisiona a formação do interno, dentro do estabelecido no programa do internato, mas tendo em atenção as necessidades do Serviço. Aqui reside a segunda lacuna do sistema, pois ao tutores nada mais é exigido do que ser especialista: deveria haver formação específica para orientadores de formação.
- Durante o longo período do internato, durante o qual o interno exerge uma prática clínica diária e tutelada, é avaliado constantemente pelo seu tutor e restantes membros do Serviço. Anualmente, ou em cada estágio parcelar, existe uma avaliação que tem várias opções: apresentação de um trabalho, apresentação e discussão de um relatório de estágio, prova prática ou discussão teórica sobre os temas do estágio, ou ainda qualquer combinação das três anteriores. A cada estágio ou ano corresponde uma nota que, através de uma fórmula bastante complicada, vai originar a nota final da avaliação contínua.
Chegados aqui, poder-se-ia dizer que bastava: estava formado o especialista. Para quê um exame final? Como pode uma única prova validar ou invalidar a formação de 4, 5 ou 6 anos? Por isso o considero anacrónico.
Há que o defenda como uma forma de aferição externa da formação mas, em minha opinião, essa aferição deveria ser feitas em avaliações anuais rigorosas dos Serviços. Se por um lado, e em bom dizer, não existem muitos casos de internos que "chumbem"(que tenham nota negativa no final do internato), muitos são, mais ou menos directa ou indirectamente, convencidos a desistir nos primeiros anos do internato. E também "nunca" é no exame que chumbam.

Por isso, só pode ser um acto simbólico!
Em data aprazada, reune-se o júri. Este é composto pelo director do Serviço, pelo orientador de formação e por três elementos externos ao Serviço, propostos pelo Colégio da Especialidade. O Exame pode decorrer, tipo maratona, num dia, ou estender-se calmamente por dois dias. O interno, que durante anos foi, de forma mais ou menos diligente, tornando-se um especialista, começa a estudar, qual acéfalo, nos meses que antecedem o exame e tem a tendência doentia de decorar pormenores irrelevantes: desde a definição do Síndrome que-não-existe, até aos 2% dos pintelhos que nascem para o lado contrário.
O exame é então composto por três partes:
- Na Prova Curricular cada elemento do júri comenta, durante 15 a 20 minutos, o currículo do candidato (designação oficial durante o exame). Começa-se, habitualmente, por elogiar os diferentes aspectos deste, apresentação, opções tomadas, casuística, trabalhos, etc... Só depois vêem os mas… e os mas é como o ABS dizia: bater no candidato! E aí, vale tudo: erros ortogáficos, tabelas menos claras, indicações menos objectivas, patologias menos esclarecidas, trabalhos mais rafeiros, etc… A seguir a cada elemento do júri, o candidato tem o mesmo tempo para argumentar. Aí, vale a lábia do artista e deve-se sempre começar por algo deste tipo: "Obrigado, desde já agradeço os elogios e as pertinentes observações feitas pelo doutor…"

- Prova Prática: o candidato tem 60 minutos para avaliar um doente sorteado entre três. Logo após, tem 90 minutos para escrever a história clínica, antecedentes pessoais e familiares, exame objectivo, resumo clínico, hipóteses de diagnóstico com discussão e requisitar os exames complementares (vulgo Rx, análies e outros) com justificação. São-lhe fornecidos os tais exames disponíveis e tem, então, mais 60 minutos para escrever a interpretação dos exames complementares, diagnóstico final com justificação, terapêutica proposta e prognóstico. Após esta estopada, tem que ler tudo, o mais fluentemente possível, em frente do júri que vai fazendo breves anotações. Após acabar volta mais do mesmo: cada elemento tem 15 minutos para comentar o relatório. Elogiar - um bocadinho... -, criticar as minudências - não referiu os pavilhões auriculares correctamente… Então, esqueceu-se dos genitais?… Não pediu o doseamento dos anticorpos anti-LKM tipo II…- e concordar, ou não, com o diagnóstico e terapêuticas propostas. Como antes, o pobre candidato tem o mesmo tempo para argumentar e se defender como puder.

- Finalmente, a Prova Teórica: para não variar muito, os elementos do júri têm os tais 15 a 20 minutos, cada um, para fazer qualquer pergunta que lhe der na bolha: Ora então… aaahh… diga-me lá o que sabe sobre … a Colite Isquémica… Depois fale-me do tratamento da Acalásia… e… e... por fim, explique-me os mecanismos de actuação dos IBP’s! E o, já arrasado, candidato lá responde como melhor souber. Como já passei pelos dois lados, sei que o candidato sabe muito mais, mas de longe, que qualquer membro do júri. Mas também sei que qualquer desses membros, como uma leitura prévia, pode enquadrar muito melhor um determinado assunto e "apertar" a vítima.
E está acabado o nosso ritual de iniciação.

De uma forma geral, os membros caseiros do júri, se a prova está a correr bem, limitam-se a breves comentários. Se vai correndo mal, lá saem algumas perguntas salvadoras… E, quase sempre fica tudo na mesma. Tirando um ou outro raro espalhanço, se a prova corre bem fica com mais 1 décima que avaliação contínua, se corre menos bem fica com menos 1 décima. E, cada vez mais, com limites apertadíssimos: as notas variam entre 19.0 e 19.9. Um 18.5 é como se fosse uma desonra, uma negativa. Enfim…
Do exame que fiz na semana passada, a imagem que guardei da interna, que já conhecia e que é excelente, foi a de uma permanente expressão facial impossível de descrever: como que um misto de exaustão, angústia e extrema tensão. Como se fosse aquele o dia da vida dela em que tudo se decidia. E não era… Já estava tudo decidido!

PP: Fogo, este post é longo… Conseguiram aqui chegar? Perceberam? Gostaram?

 

Não, não morri!

Sim, apenas andei por aí, distraido, durante muito tempo.
Prometo voltar com mais assiduidade: uma vez por mês, digamos!
Também, quem é que se importa?