segunda-feira, outubro 20, 2003

 

Não era preciso nenhum médico (2)

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Outubro

Já tinha arrefecido. A luz já não era clara, não era luminosa, antes baça e ténue. Já nem batia na janela do cubículo. As paredes não estavam tão brancas, tão limpas como pareciam. Olhando bem, os cantos junto ao tecto estão encardidos. A marquesa estava meio desmazelada, viam-se mossas nas pernas esguias e o lençol jazia às três pancadas. O esguio mordomo parecia-me cada vez mais kitch e deslocado.
Nesse dia não havia tempo para remansos. Cinco doentes marcados e às seis e meia devia estar à porta do infantário!
Chegou o Sr. Manuel
- Como vai? Então esse estômago… está melhor? – quis afirmar.
- Que nada! A dor melhorou um pouco, não tenho azia… mas já perdi três quilos desde que isto tudo começou – atirou.
- Hum… -divergi – e as análises?
Vi os resultados… tudo normal. Melhorou, pensava, mas a dor, a tal dor que o levou ao médico, continua. Mas pode ser refluxo, atípico e com dispepsia… mas refluxo. E tem a endoscopia. E parece bem. Triste, sim… mas bem. Novo veredicto.
- Às vezes é assim! Vamos manter o tratamento mais um mês e acrescentar um outro – decidi.
- … - calou.
- De qualquer modo vamos ficar mais descansados e fazer uma ecografia e um outro tipo de exame ao estômago – assentei.
- Pois… é melhor! – aliviado?
Nesse dia ainda voltei descansado a Faro. Fui a correr sem ver o sol ocidental, quartas e quintas nervosas, Wish You Were Here médio e agarrado ao telemovel, prevendo cenas e trombas pela chegada tardia ao infantário… Mas a consciência continuava a salvo.

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