domingo, maio 22, 2005

 

O que ela queria

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Mas o que é que ela fazia ali?
Das três vezes que a miuda desceu, para realizar a colonoscopia, lá estava ela… Entrava discreta e calada, mas de porte altivo e distante… ar de professora, disseram. Também me disseram, depois, que aquele pescoço, execessivamente hirto e esticado, se devia a uma qualquer cervicalgia crónica. Talvez… Proferia poucas palavras e parecia pensar muito. Parecia…

O que é que ela quereria?
Não tinha, directamente, nada a ver com o caso clínico, não percebia nada do que nós ali faziamos, nunca ajudou em nada nem emitiu qualquer opinião válida. A doente era uma criança de 6 ou 7 anos com o banal pólipo do recto (presumivelmente juvenil) para retirar endoscópicamente. E, ainda por cima, sentava-se sempre na minha cadeirinha preferida, onde costumava ficar descansado a observar os avanços e recuos dos internos. E eu lá ficava em pé, ou sentava-me nas escaditas da maca…

Sim, que quereria ela?
Soube depois… bem, de facto, podia ter logo desconfiado. Das poucas palavras que disse, nas três vezes que lá esteve, foi qualquer coisa como "já estão a gravar?" Sim, era uma interna, e alguém lhe tinha dito que este caso era muito interessante, deveras raro e que se devia "pegar nele". Pegar nele queria dizer gravar imagens e escrever uns rabiscos para futura publicação, claro!

Pois, era isso que ela queria!
Quando soube, pensei "Olhamesta!" Talvez por isso, na terceira vez que a criança lá foi e em que se tirou o pólipo, aquando da habitual pergunta dela "já estão a gravar?" eu respondi seco "ainda não há nada para gravar!". Nesse momento a imagem no écran era uma mancha de caca agarrada à lente. Depois, a cassete ficou lá. Deve pensar que nós a guardamos para ela. Se calhar, que nós até a editamos! Pois, talvez grave qualquer coisa por cima… por distracção!

E porque é que criança lá foi três vezes, para uma coisa tão simples?
Porque embirarram que não haveriam de fazer a preparação correcta. No primeiro dia, os pais (verdeiramente chatos!) e no segundo dia, os enfermeiros do Serviço de Pediatria. Tinham-me telefonado para confirmar as indicações de preparação – na folha estava escrito que não se aplicava a menores de 12 anos – e eu confirmei a prescrição. E sosseguei os pais…
Mesmo assim, na segunda vez que lá foi, continuava cheia de fezes que impediram a polipectomia. Estranhei, fui ver o processo clínico e lá estava: não tinham feito a preparação indicada, tinham-se limitado a dar 2 micro-clisteres...
Enfureci-me e escrevi no diário, em letras garrafais:

A DOENTE NÃO FEZ A PREPARAÇÃO PRESCRITA E CONFIRMADA ORALMENTE À SRª ENFERMEIRA. AGRADECE-SE QUE SÓ REENVIEM A PACIENTE QUANDO FIZER A PREPARAÇÃO ADEQUADA PARA COLONOSCOPIA COM POLIPECTOMIA.

Houve borburinho, recebi telefonemas indignados mas, no dia seguinte, lá estava a criança bem preparada!

Adenda: Vamos lá... é desta!

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