quinta-feira, julho 07, 2005

 

Como é que se diz a alguém que pode morrer? (I)

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Surgiu-me um dia, quase de chofre, no corredor das endoscopia. Vinha acompanhado pelo enfermeiro Aniceto… uma cunha!
- Há-de ver aqui o Zé, doutor… anda mal dos intestinos há algum tempo.
Fiz o costume, duas ou três perguntas e combinamos fazer o exame dali a dois dias. É assim que se consegue fazer uma sigmoidoscopia, rapidamente e de borla.
Era chefe de bombeiros, com quarenta e poucos anos, estava aparentemente calmo e completamente seguro de si: nos últimos dias, os sintomas até já tinham melhorado, tinha uma vida calma, uma alimentação cuidada e, mais importante que tudo, sempre tinha sido saudável.
Pois, só que a doença nem sempre joga limpo com a vida: sim, ele era novo; sim, tinha um óptimo aspecto e um ar saudável; sim, os sintomas até tinham (quase) desaparecido; sim, até trazia umas análises que eram normais. Mas não, o exame não era normal: tinha um cancro na sigmoide…
Cinco minutos depois, estava a falar comigo, enquanto escrevia o relatório da sigmoidoscopia.
"Como é que lhe hei-de dizer?… Praticamente não o conheço!"
- Ora bem…você tem aí uma zona dos intestino alterada. Está muito inflamada, digamos… e provoca um aperto… por isso, apareceram estes sintomas.
- Ahhh… pois!
"Vamos lá ver se pega… Têm que se fazer os exames de estadiamento"
- Pode cá vir na sexta-feira?… Gostava de lhe pedir mais uns exames….
- Sim, doutor, na sexta-feira posso!
"É melhor assim… Na sexta falamos com mais calma. Entretanto, digo qualquer coisa ao Aniceto."
- Na sexta falamos melhor… mas tem que fazer mais uns exames. E esse aperto vai ter que ser tratado.
"Hei-de de lhe dar algum toque sobre a cirugia?"
- Está bem… Mas diga-me, é grave?
- Não… Não devemos falar em mais ou menos grave! Mas tem que se tratar da maneira mais correcta… e vai ter de passar, quase de certeza, por cirurgia.
- Cirurgia…?
Olhou para mim, atarantado. Olhou para a parede, para o infinito. Olhou para mim e os olhos brilhavam. Começou a chorar…
- Eu sabia…
"E agora! Porra, começou a chorar…"
- Então, o que é isso?… Olhe, vamos falar ali para o gabinete de consulta.

[Continua...]

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