quinta-feira, agosto 11, 2005

 

Como é que se diz a alguém que pode morrer? (II)

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- Ora sente-se...
E ele sentou-se.
O gabinete de consulta estava fresco e silencioso, cheio de uma calma penumbra. Depois do calor e do bulício da sala de relatórios, aquele gabinete parecia uma espécie de santuário. Fechei a porta e também me sentei. Ele já não escondia as lágrimas e eu não sabia bem o que dizer: apetecia-me só ficar ali quieto, como que escondido, sem dizer ou fazer absolutamente nada.
- Vá, acalme-se… aqui podemos falar mais à vontade, com mais calma.
-…
- Não há razão para ficar assim!
- Já sabia… Já sabia! Esta dor aqui há tanto tempo sem se ir embora… já devia ter visto isto!
- …
- Mas nunca se está à espera…
"Cá está a recriminação!" Porque é que existe sempre a falsa sensação de que se podia, ou devia, ter feito algo no passado que evitasse o presente.
- Está bem, isso agora não é importante… Mas não pense que é tarde demais porque não é. Nunca é tarde demais!
- Ora, doutor...
- Estou a ser sincero… não há nenhum atraso!
- É um cancro, não é?
Ao dizer isto olhava assustado para baixo, como se não quisesse ouvir a resposta. "Quer ouvir: não, não é!" Apesar de já o saber, faltava ouvir a palavra que o confirmava… Como se a ausência da palavra que tanto assusta - que funciona como uma condenação - permitisse uma última esperança.
- Sim, tudo indica que sim… mas só o resultado da biopsia o vai confirmar.
- …
- Agora o importante é fazer os exames necessários e o tratamento correcto… Um tratamento para curar a doença, para você ficar completamente bem.
- Diga-me a verdade... posso morrer?
Voltei a ficar sem palavras.... “Que porra, pode-se dizer a alguém que mal conhecemos que sim, que pode morrer?”
- ...
- Nem há três meses tive uma enorme alegria neste Hospital...
- Então?
- Nasceram-me as minhas duas filhas... Gémeas!
"Fogo..." Voltou a olhar para baixo assustado, voltaram a soltar-se-lhe as lágrimas.
- Ora... não me diga que está a pensar que não as vai ver crescer?
- ...
“Não, definitivamente não lhe consigo dizer que pode morrer.”
- Não, acho que não vai morrer!
- Ainda bem!

E de repente, como que por magia, toda a tensão passou. Expliquei-lhe, calmamente, os passos que se seguiam, os exames que ia realizar e o que nos propunhamos a fazer na cirurgia. Duas semanas mais tarde, fui visita-lo ao Serviço de Cirurgia: a operação correu bem e todo o tumor foi removido. Estava sorridente e confiante e conversámos de tudo um pouco. Mostrou-me as fotografias das filhas.
Actualmente continua bem, a fazer quimioterapia adjuvante.
Sim, acho que não vai morrer!

PP: Eu sei que são reles desculpas mas os bancos são muitos e o computador de casa pifou!

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