segunda-feira, outubro 24, 2005

 

De Serviço (VI)

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Soube mesmo agora que morreu o João P.
Já o conhecia há muitos anos, talvez cinco ou seis, desde que lhe colocámos uma gastrostomia percutânea. O João tinha uma paralisia cerebral profunda, com tudo o que isso significa: tetraparésia com atrofia e deformação dos membros, ausência de reflexo de deglutição, ausência de articulação de palavras... mas um olhar sempre vivo e esperto!
Nessa altura a situação clínica esteve muito complicada e, entre infecções respiratórias e entupimentos da gastrostomia, passava o tempo no hospital. Sempre trazido pela mãe, incansável e inconformada. Lembro-me que, nesses tempos, por diversas vezes falámos da ausência de possibilidades de qualquer recuperação, da possibilidade real de um "mau" desfecho e do que isso significava, para ela e para ele... Mas ela, a mãe, dizia-me sempre - Ahhh doutor, mas ele faz-me muita companhia, muita... e ele é esperto, percebe tudo... enquanto puder, faço tudo por ele!
Depois, por alguns anos, a situação estabilizou e até melhorou. Passou a vir menos ao hospital, quase só para substituir a sonda de seis em seis meses. Ia crescendo o que podia dentro daquele corpo mirrado e mantinha o tal olhar vivo. E, cada vez que me via continuava com aquele velho hábito, que lhe conhecia desde o início, de abanar a repetidamente a mão direita como que a dizer - Vai-te embora!... vai-te embora! Ele bem sabia que, às vezes, o "tinha" que magoar.
Nos últimos meses tudo voltou a piorar: estava constantemente em insuficiência respiratória e frequentemente ventilado na UCI pediátrica. Vi-o, a última vez, há um mês... o olhar já não era vivo, já não abanava a mão.
Hoje soube que morreu e, apesar de saber que seria sempre assim, não consigo de me deixar de lembrar da mãe, a dizer - Ahhh, faz-me tanta companhia...

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