sexta-feira, novembro 10, 2006

 

João Sebastião

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A colite até andava bastante bem mas, naquele dia, o João Sebastião fartou-se de me fazer queixas. Desde há algum tempo – não sabia bem quanto – que andava mal de urinas, que parecia que era mais fraco – o jacto -, que vinha às pinguinhas, que parecia que até ardia qualquer coisa... Lá fui ouvindo, pacientemente, enquanto pensava que ele ainda era muito novo para padecer da próstata e que os homens raramente têm infecções urinárias. Quando acabou a ladainha, lá lhe disse: Bem, vamos fazer umas análises de urina e depois logo se vê se tem algum problema!
Uma semana depois, lá estava novamente o João Sebastião. As análises, completamente nornais, ele não. Já nem era o jacto ou as pinguinhas, que isso até já tinha passado, agora era a sensação que ardia, por ali, algures perto da cabeça de pila. Até me parece que purga, doutor – queixava-se - Purga? Mas tem a certeza... Suja as cuecas? - Bom, sujar, não suja... mas deve purgar! Pois, deve purgar, diz ele... O melhor é fazer um antibiótico, que sirva para infecção urinária e para uretrite. E depois logo se vê. Toma este antibiótico de doze em doze horas, certinho... Prá semana venha cá dizer-me como está!
Passou a semana e lá voltou o João Sebastião. Arde, doutor! Arde muito.... Aqui! – e apontava - Arde tanto... e deve purgar, de certeza! Isto parece mesmo a sério... pode ser que seja uma uretrite, daquelas a Clamidia ou lá o que valha. Mas será que ele nada por aí a molhar o pincel? O João Sebastião?? Com esta carinha e óculos de cinquenta diopetrias... Ai, ai! Acho que é melhor mandá-lo a um urologista- disse - eles podem fazer exames mais específicos e receitar um antibiótico mais adequado. Está bem? Ficou meio indeciso, meio atrapalhado... já se parecia dirigir para a porta, com o pedido de observação, quando se voltou e despejou de um fôlego: Doutor... tem que me pedir as análises da SIDA, por favor! É que eu dei uma escapadela... Coisas, doutor!
Mais uma semana e o João Sebastião apareceu sem marcação. Apanhou-me, desprevenido, na volta de uma esquina e não pude escapar. Doutor, e a tal análise? A análise era negativa, tinha ido ao urologista, tinha feito exames – normais – e levado com um antibiótico “forte” em “dose de cavalo”. E como está? – perguntei – Quase igual, doutor... Arde menos, parece-me... Quase não arde lá dentro.... mas agora, na pele, por fora, é um impressão terrível... E até está diferente. Ai, gritei para dentro - Quer ver? Ai, gemi para dentro, e lá tive que ver, ou melhor, não vi nada enquanto ele explicava como aquilo estava assim e assado, rugoso e avermelhado. E não dá comichão? Que não. E não cria porcaria nenhuma...? Nada. Decidi dar-lhe Nistatina em creme – para uma eventual Cândida – e prometer-lhe mais uma semanita.
Já sabia que estava à minha espera, o João Sebastião. Era claro que não tinha melhorado nada, isto se não tinha piorado. Voltou a descrever a impressão, a mancha – agora mais esbranquiçada – e as agonias que sentia. Que ver?Não!! Papel escrito e lá foi para novo especialista, desta vez o dermatologista.
Agora, o João Sebastião já não vem de semana a semana, voltou ao ritmo normal. A colite continua do melhor. As impressões, os ardores e as manchas na pila por lá continuam, mais ou menos na mesma, e o dermatologista não adiantou muito. Em todas as consultas fala delas, de cara pesarosa, como que resignado à sua eterna marca de Caim.
De facto, há escapadelas que não valem o peso na consciência.

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