sábado, janeiro 06, 2007

 

O João e o Zé

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Há quatro ou cinco dias ouvi, na televisão, um discurso sobre a quantidade de crianças que necessitam de ser institucionalizada devido a problemas sociais. Não pude deixar de sorrir, triste.

Faz uns anos que conheci, superficialmente, o caso do João Comédia. O João era um miúdo cigano que nasceu com Síndrome de Down – vulgo mongolóide – e que, por diversos problemas de saúde associados, permaneceu durante algumas semanas no Hospital. A família, das mais pobres das pobres ciganas, e ainda semi-nómada, partiu uma noite e nunca mais se soube dela. O João Comédia melhorou, ficou bem no seu Síndrome de Down e… ficou no hospital – porque não existe nenhuma instituição que receba crianças doentes. Vieram as Comissões de Menores, as decisões dos Tribunais e o João Comédia continuou no… hospital - porque não existe nenhuma instituição que receba crianças doentes! Assim se passaram quase três anos até que um dia, a propósito de um outro miúdo doente, um casal – estrangeiro residente, diga-se - passou lá pelo Serviço, reparou no João, gostou do João e, por fim, adoptou o João. Passado um ou dois anos apareceu, de novo, um casal no hospital para visitar um doente. Vinha com eles um rapazinho, bonito e sorridente, com uma farda de colégio fino. Era mongolóide e conhecia quase toda a gente. Era o João Comédia.

Agora está lá no serviço outra criança cigana, primo do João – podemos chamar-lhe Zé Paródia. O Zé nasceu com uma doença de Byler, uma doença hereditária que provoca colestase [acumulação de bílis], que progride para cirrose hepática, o que obriga a um transplante hepático por volta dos sete ou oito anos. A família do Zé é ainda mais miserável que a do João, vive numas barracas ali na estrada que sobe para a serra, e não tem possibilidades nenhumas de o ter em casa: devido à colestase e à imunodeficiência associada, o Zé Paródia necessita de medicação contínua e está sujeito a muitas infecções. Assim, praticamente desde que nasceu há cinco anos, o Zé vive no hospital… Claro que já opinaram as Comissões, já deliberaram os Tribunais, já se pronunciaram as entidades mas o Zé Paródia lá continua no hospital, porque… não existe nenhuma instituição que receba crianças doentes! Agora, vai todos os dias de manhã para o jardim de infância e, à tarde, volta para a única casa que conhece, o hospital. E para o ano há-de ir para a escola, que é mesmo ali ao lado.

E sorrio mais quando me lembro daquele miúdo inglês que um dia ficou abandonado no aeroporto. Tinha uma fenda palatina, precisou de operações e foi alvo de muita atenção jornalística. Foi logo, logo para a Instituição do Resguardo porque, lembrem-se, não existem instituições que recebam crianças doentes.

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