quinta-feira, fevereiro 08, 2007

 

Conversa Algarvia

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Entrou rápida e sentou-se irrequieta.

- Ora bem, dona Mena… Vejo que foi o doutor Grilo que a mandou aqui…
- Sim, o doutor Grilo disse que eu tinha que vir aqui para ser vista.
- Muito bem… Teve uns problemas no funcionamento dos intestinos em… Junho, não foi?
- Ahhh… eles até já vinham de antes!
- Pois… E foi ao doutor Grilo que a observou e lhe pediu uns exames...
- E tenho que fazer outro exame?
- Espere, tenha calma… Bem, foi-lhe detectado um pequeno pólipo no intestino…
- Olhe que se é aquele da papa… – e apontava para o fundo das costas – Esse já fiz!
- Eu sei, Dona Mena… O doutor Grilo diz aqui isso. Mas ele manda-a cá para nós ver-mos como podemos tratar o seu problema…
- É o do gel? Aquele do gel aqui? – e apontava para a barriga.
- Ó dona Mena!… Não, para tratar esse pólipo temos que fazer uma colonoscopia.
- Uma quê?
- Uma colonoscopia, dona Mena… Introduzimos um tubo que observa o intestino por dentro, vemos como é o pólipo e, se for possível, retiramo-lo logo.
- É aquele do tubo que entra por aqui? – e apontou para a cadeira, por entre as pernas.
- Sim, uma colonoscopia…
- Ahhh, esse não faço!
- Não faz? Mas porquê?
- Já fiz uma vez em Almada…
- E?
- E custou-me muito… Esse do tubo não faço!
- Mas então porque é que veio cá?
- Porque o doutor Grilo me mandou…
- Mas ele não disse que devia fazer este exame?
- Disse… mas eu disse-lhe que não o fazia!
- Bem…
- Eu bem lhe disse que não queria fazer…
- Olhe, dona Mena, é muito importante fazer este exame… E não há outro, só a colonoscopia é que nos permite saber exactamente como é o pólipo e remove-lo.
- Pois…
- O que lhe posso prometer é que lhe damos uma espécie de anestesia e fica a dormir… Não vai doer nada!
- Mas depois fico com os intestinos todos revoltados eu sei. Já lhe disse que não faço isso, doutor! - Então não estamos aqui a fazer nada, dona Mena. Nem sei porque cá veio…
- Pois, doutor... E agora?
- Agora volta ao doutor Grilo, eu escrevo-lhe uma carta.

Enquanto escrevia espreitava-a pelo canto do olho. Parecia menos irrequieta.

- Mas isto é sério, doutor?
- Ó dona Mena… Pelo que aqui vejo, não me parece! Mas não quer fazer a colonoscopia para termos a certeza, o que é quer que eu lhe diga?
- Acha que é cancro?
- Já lhe disse que não sei, que não me parece. Sem o exame não lhe posso dizer mais nada.
- …
- E então, dona Mena?
- Já lhe disse que esse exame não faço… ainda se fosse aquele do gel!
- Pronto, estamos conversados! Se mudar de ideias, o doutor Grilo pode mandá-la cá outra vez.

Levantou-se e parecia aliviada. Estava muito menos irrequieta.

- Ó dona Mena, é de Elvas, não é?
- Sim, doutor, sou de Elvas.
- Pois olhe que esta sua conversa nem parece de gente de Elvas, de uma alentejana.
- Ai não?
- Não, dona Mena, você já tem é conversa de algarvia!

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