quinta-feira, abril 19, 2007

 

Ainda ninguém me viu!

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A sala de espera do TAC estava meio vazia, com três ou quatro doentes sentados, encostados, encolhidos, cada um a seu canto. Ela era a única que estava em pé, e andava constantemente de um lado para o outro, parecia agitada, não sei se pela impaciência se pelo incómodo dos sintomas. Falava ininterruptamente, mais para ela própria, como se não reparasse nas restantes pessoas da sala. De vez quando, percebia-se qualquer coisa.
- E ainda ninguém me viu…
Tinha pelo menos sessenta anos, já bastante gastos, era magra, pequena, engelhada e vestia toda de preto. De vez em quando sentava-se numa das cadeiras vazias mas, depressa, levantava-se e voltava a deambular pela sala, voltava à sua ladainha incompreensível. Às tantas, disse-lhe para se acalmar, para se sentar, que já iria fazer os exames e resolver os problemas. Olhou para mim, estranha, como se ainda não me tivesse visto.
- Mas ainda ninguém me viu…
E assim, começou a contar a sua história, para quem queria ouvir… Tinha chegado já há mais de quatro horas por causa de um desmaio e de uma dor de cabeça terrível que se lhe tinha posto em casa. Depois de um bom bocado chamaram-na para uma sala e depois de lhe perguntarem o que é que tinha, disseram-lhe para esperar. Nem um comprimido lhe tinham dado e a dor de cabeça continuava.
- E nem ninguém me viu…
De repente, tinha chegado um maqueiro que gritou o nome dela, lhe agarrou no braço e a levou com ele por corredores e elevadores. Tinham ido parar ao Bloco de Partos onde esperou mais um bom bocado enquanto pensava o que é que ela, uma mulher de mais de sessenta anos iria fazer ao Bloco de Partos… O médico chamou-a e perguntou-lhe o que é que estava ali a fazer e ela tinha dito que não sabia, que ainda não tinha sido vista.
- Olhe… então eu também não a vou ver!
E mandou-a de volta para baixo, que tinha sido um engano e que ele só estava à espera de uma grávida em trabalho de parto. E lá veio para baixo, de volta à confusão da urgência, para desfazer o engano. E agora estava ali, impaciente, quase há uma hora, à espera de fazer o TAC que iria dizer o que é que lhe estava a causar a dor.
- Mas ainda ninguém me viu…
Depois de mais umas passadas, para traz e para a frente, tocou o telemóvel. Era a filha. À medida que conversava ia ficando mais agitada, mais furiosa. Dizia repetidamente que não podia ser, que era tudo um engano, que ainda estava à espera… que ninguém ainda a tinha visto. Quando acabou o telefonema, sentou-se finalmente. Estava mais desconsolada que nunca.
- Continuam enganados… Continuam enganados!

- Telefonaram agora para a minha filha… Disseram que eu já saí do Bloco de Partos, que tinha corrido tudo bem e que a criança tinha três quilos!

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